Sunday, June 05, 2005

gramática

"Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele
artigo se encontravam no elevador. Um substantivo
masculino, com um aspecto plural, com alguns anos
bem vividos pelas preposições da vida. E o artigo era
bem definido, feminino singular: era ainda novinha,
mas com um maravilhoso predicado nominal. Era ingênua,
silábica, um pouco átona, até ao contrário dele: um
sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem,
fanáticos por leituras e filmes ortográficos. O
substantivo gostou dessa situação: os dois sozinhos,
num lugar sem ninguém ver e ouvir. E sem perder essa
oportunidade, começou a se insinuar, a perguntar, a
conversar. O artigo feminino deixou as reticências
de lado, e permitiu esse pequeno índice.

De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro:
ótimo, pensou o substantivo, mais um bom motivo para
provocar alguns sinônimos. Pouco tempo depois, já
estavam bem entre parênteses, quando o elevador
recomeça a se movimentar: só que em vez de descer,
sobe e pára justamente no andar do substantivo. Ele
usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela em
seu
aposto. Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em
silêncio, ouvindo uma fonética clássica, bem suave e
gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um
hiato com gelo para ela. Ficaram conversando, sentados
num vocativo quando ele começou outra vez a se
insinuar. Ela foi deixando, ele foi usando seu forte
adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um
imperativo, todos os vocábulos diziam que iriam
terminar num transitivo direto.

Começaram a se aproximar, ela tremendo de vocabulário,
e ele sentindo seu ditongo crescente: se abraçaram,
numa pontuação tão minúscula, que nem um período
simples passaria entre os dois. Estavam nessa ênclise
quando ela confessou que ainda era vírgula, ele não
perdeu o ritmo e sugeriu uma ou outra soletrada em seu
apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas
palavras, estava totalmente oxítona às vontades dele,
e foram para o comum de dois gêneros. Ela totalmente
voz passiva, ele voz ativa. Entre beijos, carícias,
parônimos e substantivos, ele foi avançando cada vez
mais: ficaram uns minutos nessa próclise, e ele, com
todo o seu predicativo do objeto, ia tomando conta.

Estavam na posição de primeira e segunda pessoas do
singular, ela era um perfeito agente da passiva, ele
todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande
travessão forçando aquele hífen ainda singular. Nisso
a porta abriu repentinamente. Era o verbo auxiliar do
edifício. Ele tinha percebido tudo, e entrou dando
conjunções e adjetivos nos dois, que se encolheram
gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e
exclamativas. Mas ao ver aquele corpo jovem, numa
acentuação tônica, ou melhor, subtônica, o verbo
auxiliar diminuiu seus advérbios e declarou o seu
particípio na história. Os dois se olharam, e viram
que isso era melhor do que uma metáfora por todo o
edifício. O verbo auxiliar se entusiasmou, e mostrou o
seu adjunto adnominal Que loucura, minha gente. Aquilo
não era nem comparativo: era um superlativo absoluto.
Foi se aproximando dos dois, com aquela coisa
maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado
para seus objetos. Foi chegando cada vez mais perto,
comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo,
propondo claramente uma mesóclise-a-trois. Só que as
condições eram estas: enquanto abusava de um ditongo
nasal, penetraria ao gerúndio do substantivo, e
culminaria com um complemento verbal no artigo
feminino. O substantivo, vendo que poderia se
transformar num artigo indefinido depois dessa,
pensando em seu infinitivo, resolveu colocar um ponto
final na história: agarrou o verbo auxiliar pelo seu
conectivo, jogou-o pela janela e voltou ao seu trema,
cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo
feminino colocado em conjunção coordenativa
conclusiva."

Redação feita por uma aluna do curso de Letras, da UFPE
(Universidade Federal de Pernambuco - Recife) e que obteve vitória em
um concurso interno promovido pelo professor titular da cadeira de
Gramática Portuguesa.

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