Monday, December 10, 2007

penso, logo existo

Enquanto tento digerir tudo o que vi, li e ouvi no domingo durante a apresentação de Homemúsica de Michel Melamed, deixo vocês com poema da outra peça dele:

AINDA TEM
[Michel Melamed]


Porque verdade sem amor é crueldade
Porque ainda tem...
Ainda tem pias injetando os dias
Mulheres dizendo “você não me conhece”
Ainda tem...
Mesmo que precisão seja coisa para quem julga
E não para quem se entrega as esferas
E ainda tem hoje
O dia inteiro ainda tem
E ainda tem a vida toda
O que resta da vida toda
E os restos de todas as vidas
E as novas e dessas as que virão
E as que vão
As tanto, as tão, as nem
Ainda tem
Um enigma não é espantalho
Que também tem
Porque enigma não é espantalho
Que também tem
Mesmo que ninguém saiba decifrá-lo
Ainda tem
Um trem e uma rima
Ainda tem uma menina correndo de vestido rosa contra o fundo verde
Ainda tem Suécia e Grécia e Suíça
E míssil e missa
E fóssil e glossário
Ainda tem aquário e peixe boiando
E o otimismo dos que se privam
E um jardim da saudade e um cemitério do coração
Ainda tem
Ou menos ou mais
E tem você
Que não me tem
Mas eu ainda tem
E tem fuck you e fucsia
E um mundo melhor sem música...
E um quarto vago num prédio abandonado na rua da amargura
Ainda tem
Os outros e ninguém
Tem um monte de caminhos
E a vontade de percorrê-los
E a preguiça de perseguí-los
Na rua em que só se fala socorro alguém grita eu,
Ainda tem o poeta que unificou os títulos
Da confederação brasileira de poesia
Da associação e da super-liga
E que na verdade é um cara simples
Ainda tem ar
AR-15 e o barco desde o rio
Ainda tem
A falta de sentido da vida
A flexibilidade que tudo exige e que acumula detritos na garganta, ali, onde já não há mais
Paladar e tão somente a matéria pequena, irritadiça e frívola;
E o medo ricocheteando o medo de Ter medo...;
O corpo envelhecendo e seus passados;
E cada virgindade;
E o aprendizado da solidão e sua temperatura única;
E os fantasmas reencarnados em fantasmas em outros ou até em si mesmos;
E o infinito e todas as suas máscaras: máscaras dos livros, dos acontecimentos,
O eterno baile de máscaras de infinitos como espelhos sem vidro: a tinta metálica sobre o ar polido
Tem cinema, ipanema, novena, novela, vela, nó
Tem re-pe-tir tu-do
Ou
Umpedaçosó
Mas tem
E não faltará nada
E faltará tudo
Porque ainda tem o mundo
E então um menino sentado no chão pensando ou sonhando
Porque pra um menino sentado no chão
Não tem diferença entre pensar e sonhar
E não faltará método nem protagonista
Porque ainda tem
Um roça escura pra capinar sob a lua
Ainda tem a mulher nua e decidida
Tem feridas sem cura
E curra sem dor
E não faltará
Nem talvez
Porque ainda tem
De novo e outra vez
A glote, a hepiglote, o culote
Sufixos e crucifixos
Pais-nossos e filhos-da-puta
Ainda tem culturas e cacatuas e croatas
E arraiais e arraias
Ainda tem do céu pra cima e da terra pra baixo
Ainda tem tanta coisa
Mas tanta coisa
Que também não tem então
E daí tem de novo
E pára e volta
E pára pra sempre e não volta nunca mais
E é incessante
Porque ainda tem
Sempre tem
Ainda


De Michel Melamed, poema apresentado na segunda parte da Trilogia Brasileira: Dinheiro Grátis.

Comments:
"Ainda tem o poeta que unificou os títulos
Da confederação brasileira de poesia
Da associação e da super-liga"

genial!

fábio, entra lá no meu fotolog e lê o lance sobre a realidade que escrevi, diz aí o que vc acha.
 
quero assistir!
onde está?
como diria Raul, eu tô precisando de um pouco de cultura pra cuspir nessa estrutura!


(estou no meio de uma crise alérgica. Pareço um chokito ao leite)
 
me emprestaa esse livro (PC)?
 
Post a Comment



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?