Monday, May 25, 2009

esta vida é uma sinfonia amarga

Um dia o Nelson Shiraga Junior, irmão e fotógrafo que admiro pacas, estava em casa editando umas fotos que havia tirado de crianças; enquanto eu observava as fotos meu irmão me contou como tinha se apaixonado pela interpretação de uns guris que fizeram uma adaptação de Macbeth, de Shakespeare.

Talvez um mês depois, ouço o Biajoni e a Karen me contando como gostaram do talento das crianças que fizeram este trabalho em Iracemápolis, cidade vizinha de Limeira. O Bia ainda contou, em seu relato sobre a peça, como a Lia assistiu a peça e se comportou, pedindo apenas um suco e batata frita como recompensa. ;-)

Semanas depois conheço Daniel Martins, o responsável pela peça que foi até o Festival de Teatro de Curitiba este ano. Eles tinham duas apresentações marcadas e, como lotou o teatro duas vezes, fizeram uma apresentação extra.

Na noite de domingo, com o gentil convite do Daniel, fui com o amigo Paulo Corrêa até o CEAC, uma escola de arte pelo que entendi, em Iracemápolis para assistir a famosa peça com crianças de 8 a 12 anos. Quem recebe o público na entrada é um destes meninos, que com um ótimo tom de voz e uma dicção perfeita, manda um aviso e me deixa pensando por cinco minutos enquanto entro no espaço escuro e me acomodo esperando o início da peça.

Senhoras e senhores!
Antes que continuem seguindo viagem peço um momento de atenção para lhes contar uma história terrível: "Macbeth - a tragédia escocesa". Por favor não repitam este nome tão alto pois traz má sorte.
Se os senhores se perguntam porque crianças tão pequenas contam uma história tão trágica, eu respondo: é para mostrar a vocês o preço da ganância, da mentira e da traição. A vilania, meus senhores, é a marca da maldade e contra ela a lealdade, bem sabemos, é um santo remédio. E onde pode chegar o homem na sua sedenta e incontrolável busca pelo poder.
Ao passarem por esta porta, os senhores verão uma das mais terríveis tragédias já feitas. Sejam bemvindos e que Deus tenha piedade de nós.

Eu nunca li nada de Shakespeare, não sabia nada de Macbeth, e não me orgulho disso. Mas não foi envergonhado que aprendi e me surpreendi, por mais que tivessem me avisado antes, com a atuação destes grandes meninos. Foi um enorme prazer saber que pequenos tão talentosos me ensinaram lindamente sobre esta obra e também me fizeram sair da escola onde se apresentaram com um nó na garganta pensando nesta vida fora de equilíbrio.

Muito bem equilibrada é a trilha sonora que Daniel Martins preparou para a peça. Ele fala neste post sobre a licença poética de escolher músicas que fogem da época da obra escrita. Eu achei que todas as músicas estavam muito bem colocadas ali, e é um grande barato flertar com o moderno, assim como fez Sofia Coppola em Marie Antoinette, colocando a linda Kirsten Dunst atuando ao som de bandas como Strokes e Cure ao fundo.

E olha o que mais o Daniel preparou. Para os seus alunos ele fez um CD com a trilha sonora e escreveu o seguinte:

"Meus alunos,
...
Aqui nesses CDs vocês vão encontrar a trilha sonora completa de Macbeth, com músicas especialmente escolhidas para o nosso espetáculo. São faixas sombrias, sinistras e até mesmo tristes, mas que, ironicamente, são essas mesmas músicas tristes que nos trazem lembranças tão boas, que nos fazem recordar das risadas, das brincadeiras e de toda a nossa amizade. Foi um ano difícil, eu sei: um ano de muito trabalho, ensaios e dedicação. Sorrimos juntos, choramos juntos. Mas agora nosso espetáculo está pronto e eu vejo como valeu a pena. Nossa peça é linda, molecada, não tem quem não fique apaixonado por ela. E isso tudo graças a vocês. Sei que ela não vai durar pra sempre. Assim como a nossa turma também não vai durar. Alguns vão embora, alguns vão continuar. A vida segue. Sempre que sentirem saudades dessa época, coloquem o CD pra tocar. E lembrem-se da loucura que foi montar Shakespeare! Agora eu sei: vale a pena acreditar no homem.
...
Matheus, Jé, Dani-Dani, Fábio, Baby, Cesinha, Micha, Lara, Vandi, Cedro, Jami-Jami, Lucas, Thiago e Gabi. Eu amo vocês."
...
Professor Daniel


Abre um parêntese aqui.
Ver um professor dedicado assim, faz a gente crer que vale a pena acreditar no homem. E fico muito feliz de saber da importância da música na peça e no trabalho destes meninos. Já que a música sempre foi minha salvação, eu gosto de ver quando isso acontece com outras pessoas, saber que isso traz tantas lembranças e emoções. Eu sou ingênuo, eu sei, achar que pudesse ser o único a me ligar nestes detalhes. Olhe esta foto e vejam esta lousa. O professor Daniel na escola do rock! A vida é cheia de som e fúria. Fecha o parêntese.


Um pouco antes do final da peça, ouvimos "What a wonderful world", com cenas leves, que tiram sorrisos do público, para então no final, enquanto o bobo da corte diz que vale a pena acreditar no homem, os atores (fora dos personagens) nos lembrarem das tragédias ocorridas nos últimos anos.

As mais de cem pessoas que lotaram a escola aplaudiram de pé esta última apresentação de Macbeth feita pelos atores mirins cheios de futuro. Daniel, o responsável por tudo isso, em grande estilo captain, my captain, subiu na cadeira para aplaudir os meninos. Demais!

Eu, aqui, ainda chocado com a morte da menina de 8 anos baleada em Rio Claro (ela estudava na Cultura Inglesa em que trabalho), vejo uma matéria na TV onde a mãe da menina disse ter doado todos os órgãos da filha. Vale a pena acreditar no homem.


Blog do Núcleo de Vivencia Teatral: Um Paraíso na Terra.
Vídeos: Projeto Núcleo de Vivência Teatral.
Fotos do Festival de Curitiba: Macbeth.
A trilha sonora: Uma trilha sonora anacrônica.

Comments:
Que lindo o post, emocionante, Shiraga! Não acho criança muito interessante, mas me deu vontade de ver a peça...
Sobre o meu blog, estou voltando muito devagar, ainda não peguei o tranco.
E sobre o trabalho da Universidade da Bahia, que fala do Cazuza, Renato Russo e Luís Capucho, pedi ao Fabio que me mandasse em papel pra que eu lesse, mas não me mandou ainda. Também li apenas o que você leu e me senti alçado a um lugar onde não estou. E quero ler tudo e pensar...
um beijo,
luís.
 
Oi Fábio Shiraga,
Muito lindo o seu post, e mais ainda o trabalho do professor Daniel com as crianças, é de emocionar mesmo. Temos que nadar contra a correnteza, sendo professor nessa terra brasilis. Não tem jeito, é um trabalho de formiguinha que temos que fazer. Linda carta do professor aos alunos e obrigada pelo post, emocionou, e como vc diz: ´vale a pena acreditar no homem´, homens iguais ao Daniel.
um abraço
madoka
 
eae Shiraga qto tempo!
muito bom esse post!
é muito bom ver musica de qualidade salvando os outros!
com certeza essa peça foi muito boa, me bateu uma grande vontade de ir ao teatro agora!




by: Kil
 
Porra duca duca esse post!! Wilco me faz lembrar voce. Porque um dia vc pediu pra eu tirar uma foto de um livro que tenho aqui...

Morte e vida
Vida e morte

O esquema e produzir, so resta o nome e por alguns anos e so!

Eu nao sei se acredito no homem, mas confio nas criancas. As vezes eu tenho medo, mas ainda sao melhores. Ai quando ficam velhos fodem com tudo...

bjao Shira
 
Grande Shira, obrigadão pelo post! É sempre muito bom ler textos críticos sobre o nosso trabalho; textos que ultrapassem o mero caráter informativo e que realmente avaliem o peso daquilo que fazemos. Pode ter certeza que vou repassar pra molecada! Eles vão ficar muito contentes em saber que temos um novo parceiro na luta. Bem vindo à família! abraço!
 
Shira, essa hiperproteção às crianças é "nova" historicamente, né? Porque os contos de fada, na tradição oral, são cruéis e sombrios, uma amostra trágica e fantasiosa do mundo em que elas estavam inseridas.
Depois de Disney, ficou tudo lindinho e cor de rosa.;0)
Adorei seu post e fiquei muiiiito interessada em assistir ao espetáculo.
Beijos.
 
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